quinta-feira, 12 de novembro de 2009

One California Day

Sem dúvida que Jason Baffa é um dos melhores realizadores de filmes de surf da actualidade.
A prova disso está neste filme "One California Day". Um retrato de sete diferentes personalidades, e das suas vidas em diferentes zonas do litoral do Estado da California.
Nomes como Joe Curren, Tyler Hatzikian, Devon Howard, Dane Perlee, Alex Knost, Jimmy Gamboa, Joel Tudor, compõem esta história sobre surf e tradição.
Não é preciso, de facto, ir até muito longe, para se fazer um excelente filme de surf...Basta uma boa ideia.
Baffa procura nos seus filmes mostrar a diversidade e liberdade que está associada ao surf, contribuindo muito, na minha opinião, para uma construção/re-construção do conceito de surf, onde se integram elementos do passado e do presente.
Há um sentido histórico e estético nos seus filmes.
Deixo aqui uma brisa da óptima experiência visual que é este filme:

De que fibra se faz um Shaper?

Às vezes tenho momentos em que me apetecia largar tudo, deixar tudo para trás e mudar de vida. Mas o que fazer depois?
Há empregos que não surgem nos anúncios de jornal, um deles é a profissão de Shaper e confesso que, por vezes, me passa pela cabeça a utopia ou o desvario de o ser.
Este é um desejo vulgar entre aqueles que gostam de surfar e que se deixam envolver pelo desejo de apanhar uma onda numa prancha que nasceu na nossa mente e amadureceu nas nossas mãos.

Penso que há uma beleza singular neste “ofício”, sobretudo quando é realizado por aqueles que são bons a executá-lo, aqueles com vasto número de pranchas feitas, um total domínio da teoria e que conciliam tudo isto com uma prática apaixonada de surf.
Povoam nas suas mentes, tal como na de um arquitecto, inúmeras possibilidades de comprimentos, larguras, espessuras, formatos de rails, curvaturas de rocker, tipos e posicionamentos para as quilhas, tudo pensado a 3 dimensões.

Nas suas mãos, uma habilidade e exactidão técnica de engenheiro, faz surgir a partir dos materiais a combinação e a relação certa entre as formas, as diferentes partes e elementos que, num todo, rasgarão a água com a velocidade e precisão necessárias.
O trabalho actual de um Shaper partiu de um conhecimento empírico com origem em observação, opiniões e experiências partilhadas entre surfistas ao longo das épocas, métodos de tentativa e erro que geram um saber-fazer que foi passado de geração em geração. Hoje é desenvolvido em diferentes níveis, industrialmente, baseando-se em técnicas cientificas, ou então, de forma mais romântica com meios e habilidades de artífice.

No entanto, o cientista, tal como o artesão, têm que conjugar a sua arte com um largo conhecimento sobre as principais ondas da sua região, país ou mesmo do mundo, nomeadamente no que respeita a tipos fundo, ventos mais frequentes, tipologia da própria onda, ondulações predominantes, etc.. Fenómenos naturais compreendidos e explicados com a mesma profundidade com que um oceanógrafo o faria, todos eles da maior importância no momento de começar a medir, a cortar e a lixar.

Mas antes disso, o Shaper tem que saber ouvir, melhor, tem que saber escutar cada surfista, o seu pedido, os seus desejos, o seus pontos fortes e fragilidades, e tem que saber observar quem é, e como surfa, quem está a sua frente. Tal como um psicólogo, o shaper tem que procurar ver cada surfista como um todo. Avaliar, diagnosticar e ajudar, neste caso, uma ajuda e uma terapia que se traduz em projectar a prancha certa para cada um de nós.
No fundo, esta é uma profissão para “eternos aprendizes” com aptidão para experiências novas que se combinam de diferentes maneiras, com toda a beleza e, simultaneamente angústia, que caracteriza as realidades que se mantêm incertas, sussurrando-nos a mente com um “tudo é possível”.

E é neste momento que o meu raciocínio bloqueia!
Desisto e deixo-me ficar receando a mudança, na ideia de que esta é uma profissão das mais complexas que existem.
Ser Shaper oscila entre o mágico e o cientifico, o artistico e o técnico, entre o industrial e o artesanal. Tudo se resume a descodificar algo tão “objectivo” e simples como o que conecta cada homem singular a cada onda, também ela única pelos factores que condicionam a sua formação. Quando se descobre este código de medidas e formas, surge uma relação homem/onda que quase faz esquecer o que os une, de tão naturais e harmoniosos se tornam os movimentos de ambos.

Um Shaper que atinge este nível de realização, para mim, com toda a autoridade de quem provavelmente nunca o será, compreende total e profundamente todo este fenómeno a que, simplesmente, chamamos Surf.

Autoria: André Falcão, 2009